sábado, 7 de julho de 2012

Malva Rosa é planta fêmea, é segredo, incerteza


Malva Rosa é planta fêmea, é segredo, incerteza.

Viegas Fernandes da Costa

Momento da peça apresentada pelos alunos da UnB.
Crédito da imagem: Daniel Zimmermann.
Malva Rosa é flor, e de muitos nomes, rosa louca, amor dos homens.  Malva Rosa pode ser Aurora, Mimo de Vênus, mas pode também ser uma papoula de duas cores. Plantada sob o sol, em solo fértil, Malva Rosa não suporta água em excesso. Malva Rosa é planta fêmea, é segredo, incerteza.
Em uma alteração de protocolo, o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau, na edição do seu jubileu, abriu as cortinas com uma peça da mostra universitária nacional. E acertou. Trouxe ao palco do Teatro Carlos Gomes, em sua primeira noite, o grupo Casulo Dramaturgia de Atores, da Universidade de Brasília, com o espetáculo “Malva Rosa”, uma montagem do texto de Newton Moreno intitulado “Agreste (Malva Rosa)”. E disse acertou porque os atores do Planalto Central comoveram e entusiasmaram, como poucas vezes se viu nas edições mais recentes do FITUB, o público presente na noite de quinta-feira.
O texto de Newton Moreno é primoroso, rico de significados e possibilidades, e não de todo estranho à plateia do Vale do Itajaí. Em 2010 o SESC trouxe a Blumenau e Brusque o espetáculo “Agreste”, encenado pela Cia Razões Inversas, de São Paulo. À época eram apenas dois atores revezando-se nos papeis, tendo como principal recurso o próprio corpo. Agora, quase uma dezena de atores, acompanhados de músicos e cantores, explorando as muitas possibilidades que uma montagem pode oferecer, para contar uma história de amor e sofrimento, absolutamente linear, ou seja, com começo, meio e fim – algo tão raro nas propostas contemporâneas.
Malva Rosa conta a história de amor entre Etevaldo e sua companheira no interior do agreste brasileiro. Tímidos como caramujos, tolhidos na ignorância e na crença de um Deus castigador, demoram a ultrapassar os limites que lhes são impostos. Há uma cerca a lhes separar os corpos, frágil e incerta, na qual um buraco que a cada dia aumenta mais convida à passagem. Esta cerca, entretanto, é apenas a fronteira visível, tangível, permissiva. Há outras fronteiras muito mais difíceis de reconhecimento, muito mais opressoras, fronteiras inconcebíveis de se pensar, de se falar, de se querer ver. Malva Rosa (ou Agreste), texto claramente inspirado no universo de Guimarães Rosa, conta assim uma história de ignorância, revelação e expiação. Contundente, discute e denuncia o autoritarismo e a cegueira da verdade sem, entretanto, renunciar à necessidade do movimento. Porque há felicidade no movimento, na migração, ainda que o preço seja alto, ainda que o preço seja a própria vida. Para além, ainda que ambientada em um agreste atrasado, de uma temporalidade quase estática e arcaica, “Malva Rosa” dialoga com temas contemporâneos, como a homofobia, a promiscuidade do discurso religioso, os desmandos de um coronelismo que ainda sobrevive em nosso cenário político, a hipocrisia.
O que o grupo Casulo Dramaturgia de Atores levou para o palco foi apuro técnico, sensibilidade, poesia, cuidado estético e muita entrega. A peça iniciou com os atores saindo de redes suspensas como quem sai de casulos. O cuidado com a coreografia, com a iluminação, com a sonoplastia, o cenário austero (composto por redes e caixotes cuja posição os atores modificavam com o transcorrer da peça, atendendo às necessidades da composição), criou uma estética profundamente poética. A “fotografia” de “Malva Rosa” é primorosa!
Técnica vocal, de canto, e muita disciplina, foram a tônica da apresentação. Como se não bastasse, de um dos camarotes laterais do teatro, músicos e cantores tocavam a trilha sonora da montagem. Destaque especial para a cantora lírica, cuja voz preencheu cada canto do grande auditório. Simplesmente comovente!
O espetáculo apresentado pelos acadêmicos da Universidade de Brasília funcionou muito bem porque efetivamente estruturado no coletivo. Difícil apontar algum ator ou atriz que tenha se destacado, e alguns deslizes individuais de representação foram totalmente absorvidos nesta coletividade. Méritos da direção, assinada por Alice Stefânia.
Ao final, quando o sentido de Malva Rosa se revela, e a personagem se reconhece no momento derradeiro, quando o fogo que purifica toma conta da vida e a luz revela a nudez que morava na ignorância e na escuridão, temos um dos momentos mais bonitos de todo espetáculo, plasticamente perfeito, e carregado de sentidos.
Ainda é cedo para qualquer prognóstico, mas reunindo tantas qualidades, e a julgar pelo entusiasmo do público, revelado na força dos aplausos, “Malva Rosa” é forte candidato ao prêmio de melhor espetáculo desta edição do Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau.
Malva Rosa é flor, e de muitos nomes, rosa louca, amor dos homens. 
Crédito da imagem: Daniel Zimmermann

Um comentário:

  1. Estava curiosa pra ler tua análise! Assino embaixo: Foi uma experiência profundamente tocante.

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